Educação

Distanciamento Social ou Distanciamento da Sociedade ? Uma Reflexão sobre a pandemia e a pessoa com deficiência.

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Hoje trago para vocês um tema muito especial, emocionante e que nos leva a refletir sobre a inclusão.
Vamos acompanhar o que diz esse grande profissional da educação inclusiva Ideraldo Pinheiro.

Ideraldo Pinheiro

Diretor de Escola / Professor / Autor / Escritor

Professor de educação básica, formado em Pedagogia pela UNG – Universidade Guarulhos.

Professor de Sala de Apoio Pedagógico – SAP
Professor de Atendimento Educacional Especializado – AEE
Pós-graduado em educação fundamental pela USP – Universidade de São Paulo.
Pós-graduado em Atendimento Educacional Especializado pela UFC – Universidade Federal do Ceará
Organizador e Colaborador da Portaria nº34/2019-SE, que dispõe sobre: O Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Rede Municipal de Ensino de Guarulhos
Colaborador na coluna sobre Diversidade e Inclusão no “Portal Valorize-se”

Olá amados (a) leitores e leitoras, obrigado pelo carinho de cada um que tem reservado alguns minutos da sua semana para dar uma passadinha aqui por essa coluna maravilhosa e prestigiado cada convidado.


Como bem dizemos, a boca fala sobre o que o coração está cheio, não poderia ser diferente na nossa escrita, escrevemos sobre o que queima em nosso coração, sobre o que nos incomoda, sobre o que nos alegra, enfim, é impossível escrever sobre algo que não tenha nos tocado de uma forma diferente antes, e como nos últimos 10 anos tenho falado, estudado, ensinado, quase que exclusivamente sobre a pessoa com deficiência, gostaria de fazer um paralelo aqui, entre essas pessoas e as pessoas que forçosamente estão em uma situação de distanciamento social, e apesar de termos diversas legislações que tratam sobre a pessoa com deficiência no convívio social, para o objetivo em questão, o Artigo 2º da LEI Nº 13.146 DE 6 DE JULHODE 2015 (Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência) já nos servirá bem como pano de fundo para o enredo;


“Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. ”


Em tempos onde o que mais se prega é sobre os benefícios ou não do distanciamento social, aonde as pessoas não se cansam de falar do quanto estão cansadas dessa restrição ao contato social, mesmo que momentânea, me pus a pensar em uma parcela da sociedade, que durante muito tempo viveu debaixo de um cruel sistema de isolamento social permanente, desde o dia em que nasceram. São as pessoas com deficiência.


Nesses anos em que pude trabalhar em Sala de Apoio Pedagógico e Atendimento Educacional Especializado, havia sempre uma pergunta que me faziam e que vinha acompanhada de uma afirmativa;


“Nossa, como você aguenta trabalhar com essas pessoas com deficiência? ”
“Olha, precisa ter muito amor para trabalhar com isso. “


Na verdade, tanto para a pergunta, quanto para a afirmativa, a minha posição era bem clara, eu não preciso aguentar trabalhar com pessoas com deficiência, porque isso para mim é um encargo que move o meu coração, e quanto a ter um “nível” Sobrenatural de amor para lidar com isso, não precisa. Precisa simplesmente reconhecer o próximo como seu semelhante, e isso pode até não solucionar todas as dificuldades que você enfrentará em sala de aula, mas lhe dará um posicionamento diferente diante das mesmas dificuldades.


Conhecendo a história e as lutas das pessoas com deficiência e seus familiares, hoje penso no legado que tenho ajudado a construir, junto com outros profissionais da educação preocupados com a temática, e felizmente são muitos, um legado que avança ainda de forma muito lenta, porque reconhecidamente quando se fala do atendimento voltado para a diversidade e inclusão educacional, nunca é um processo rápido, mas temos a obrigação de torna-lo eficiente, para que cada conquista seja consolidada e não retroceda, que cada documento legitimando a ação das pessoas nessa condição se torne prática de fato.


Me lembro de quando me debrucei com um grupo de professores de AEE, na época como responsável pela organização do documento, para a reescrita da Portaria nº34/2019-SE, que legitimava Atendimento Educacional Especializado, me lembro que as deliberações eram pensadas para atendimento de pessoas de fato, não era apenas um cumprimento de protocolo. Talvez por isso, esse atendimento caminhe tão bem e tem avançado em uma proporção tão inimaginável há alguns anos.
Pensando nisto, nessas conquistas que tem motivado o meu fazer pedagógico, gostaria de trazer a memória sobre esse público que está na sociedade, mas apenas eventualmente desfrutava do meio social, que está na escola, mas eventualmente desfrutava do processo educacional e que, já adquiriu uma série de direitos legais no papel, mas de forma efetiva ainda há uma grande caminhada a ser trilhada até que cada conquista se materialize no seu dia a dia.


As pessoas com deficiência, crianças ou adultos, estão nas escolas cotidianamente, porém, em muitos casos passavam a maior parte desse tempo escolar como coadjuvantes do processo educacional, quase como pessoas invisíveis para a escola e em alguns momentos carregavam esse estigma por toda a vida. O título da coluna de hoje, até soa um pouco “tenebroso”, como se fosse tirado de um filme de terror, se é que, pensando bem era de fato um verdadeiro filme de terror para os envolvidos.


Falo daqueles alunos que por muitas vezes, eram confinados nos cantos ou fundos das salas de aula pelo brasil afora, ao contrário do Ensino médio ou na Graduação que a turma do fundão é conhecida por ser a mais “descolada”, na educação básica, a turma do fundão poderia significar, a necessidade de isolamento, dificuldade de aprendizagem, problemas familiares e essa lista trazia infinitas possibilidades, e nenhuma delas era animadora, mas indiscutivelmente, as pessoas que mais enfrentavam essa situação, eram justamente as que tinham alguma deficiência, que curiosamente deveriam ser as pessoas a serem colocadas mais próximas do professor.


Às vezes justificávamos esse “distanciamento social pedagógico”, com alegações de que a criança dom deficiência A ou B se sente melhor isolada, mas essa é uma grande armadilha em que nós profissionais da educação temos caído frequentemente, pois, a partir do momento em que o aluno está em sala de aula, tudo passa a ter relação direta ou indireta com a forma que ele vai aprender, lógico que o professor não será o psicólogo do aluno, mas investir alguns momentos para conversar com a turma, envolvendo todos na aula é essencial para perceber alguns fragilidades, e trabalhar muitas potencialidades.


Outra justificativa muito comum para a falta de empatia com os alunos com deficiência, era a falta de formação especializada” para lidar com ele e mais algumas dezenas de alunos na sala de aula regular. Pois bem, certamente formações especificas nos dão muito embasamento técnico para eventuais intervenções, porém o primeiro movimento que deveria ter quando recebo uma pessoa nessas condições em minha sala de aula, é exercitar a empatia, o acolhimento, etc.…, pois ainda não conheço nenhum curso Lato Sensu ou Stricto Sensu ou sei lá, que seja exclusivo para desenvolver a humanidade em nós. É importante que entendamos que, só a partir do acolhimento dessa pessoa, é que vou saber a medida de intervenção que será necessária e que apoios precisarei acionar.


Tem uma dinâmica que sempre uso quando estou dando aula em sala regular, mesmo antes de trabalhar em Salas de Apoio Pedagógico – SAP ou no Atendimento Educacional Especializado – AEE, que é a seguinte; a melhor rede de apoio que posso ter em minha sala de aula, são os próprios alunos que ali estão, pois, a partir do momento que eu encurto a distância de relacionamento entre eles, eu amplio possibilidades não só para o aluno que tem alguma deficiência, mas para todo o grupo.


É importante atentar para o simples detalhe de que, não é só no conhecimento formal que está na lousa os nos livros, mas também no conhecimento informal de quando paramos para nos relacionarmos que a aprendizagem se manifesta, pois tudo isso faz parte da dinâmica da aula”, e com essa prática já obtive êxito em muitas intervenções em situações que aparentemente estavam dissociadas do processo educacional, mas que quando resolvidas, se mostraram altamente eficazes no “deslanchar” daquele grupo de alunos para se apropriarem do conteúdo de aula.


Lógico que, isolar um aluno com deficiência no fundo ou no canto da sala porque eu considerava que não aprendia, mas também em alguns momentos não perturbava o professor, a curto prazo poderia ser um alivio, caso você tivesse o pensamento de que ele só seria seu durante aquele ano. Mas pense no quanto uma intervenção mais pontual poderia ajuda-lo para a vida, e começar a ver o ano letivo como 200 oportunidade letivas para mudar a vida de alguém, essa é a verdadeira pedagogia do amor, que tanto fez falta ao processo educacional voltado para a pessoa com deficiência durante muitos anos da nossa recente história.


Que o digam as famílias que tem uma pessoa com deficiência no sistema educacional. Iremos perceber muitas histórias diferentes, mas quando se pega o histórico dos envolvidos em cada um desses relatos, se encontra um ponto em comum, a grande maioria passou por um distanciamento social, não provocado por uma pandemia que os colocou em uma quarentena, mas sim provocado pela sua condição de nascença, e em determinados casos, de forma perpétua.


Grande parte dos alunos com deficiência na escola regular foram vitimados por serem alunos calados, isolados e provavelmente, os quietinhos da sala, que não geravam problemas ou se desorganizavam ao ponto de permanecerem boa parte da aula fora da sala. Em comum, todos ficavam esquecidos por muito tempo, a escola se tornava uma referência para o sofrimento deles e de suas famílias.


Sabemos que nem todos os dias a escola será um “mar de rosas”, mesmo porque a nossa vida não é assim todo o tempo, mas no que couber a nossa sensibilidade para o outro, precisamos nos posicionar, pois essa ação pode ser decisiva na vida dessas pessoas, que se tornarão adolescentes e talvez adultos, que reproduzirão na maioria das vezes o que receberam, pois ninguém dá o que não tem.


Felizmente o enredo desse filme tem mudado, através de uma concepção de educação especial na perspectiva inclusiva, que tem despertado profissionais para uma rede de apoio que auxiliem o professor a trazer para a sua prática com a pessoa com deficiência o que as legislações já definiram no papel.


Dentre essas redes de apoio, hoje podemos contar com escolas com salas bilingues para surdos, uma crescente valorização do Atendimento Educacional Especializado – AEE pelo Brasil afora, que tem ajudado a mudar a nossa percepção sobre esse atendimento e nos feito vislumbrar um atendimento digno para essa moçada que tem passado por nossas escolas.
Portanto, da próxima vez em que pensar em se queixar desse isolamento social que pode acabar a qualquer momento, lembre-se de que, tem uma grande parcela da população que, por mais que se queixem dessa condição de isolamento, não tem a mínima expectativa de sair dessa situação.
Parafraseando um escritor anônimo, que foi muito feliz ao escrever o seguinte pensamento;


“Diversidade é convidar para a festa; inclusão é chamar pra dançar. ”
A grosso modo, nós temos uma série de legislações que fazem com que convidemos as Pessoas com Deficiência, com Transtorno do Espectro Autista e as com Altas Habilidades para o baile, mas a pessoa responsável por tirá-las para dançar, continua sendo o professor, mesmo que para isso, tenha que fazer uma aula de dança específica para o ritmo que lhe foi apresentado.

Até a próxima semana.

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